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Viver com Endometriose

Tal como outros síndromes dolorosos, a endometriose causa dor constante e para algumas mulheres é uma batalha difícil, não só pela dor mas pela dificuldade em engravidar associada.

CONHECER E IDENTIFICAR A ENDOMETRIOSE

A endometriose é uma condição inflamatória do tecido da parede do útero, o endométrio. Nesta condição, o tecido uterino é encontrado numa zona externa ao útero provocando uma reação inflamatória e consequente formação de aderências e tecido cicatricial. Este tecido pode ser encontrado na região dos ovários, do recto, da vagina, da bexiga e do intestino. (12,17)

A dor é um sintoma recorrente nos casos diagnosticados. Quando os sintomas persistem mesmo tendo sido implementado um tratamento, a endometriose passa a ser considerada um síndrome de dor pélvica crónica (SDPC). É uma patologia frequentemente associada a alterações cognitivas, comportamentais e emocionais negativas, assim como a sintomas que sugerem comprometimento urinário, intestinal, sexual e/ou outras disfunções ginecológicas. (6)

Muitas mulheres referem dor que pode não estar necessariamente relacionada com as lesões do endométrio, sendo comum haver mais do que um órgão afetado nestes casos. A endometriose pode ser encontrada de forma acidental, não tendo necessariamente de manifestar sintomas, sendo que por vezes o grau de lesão encontrado não traduz necessariamente a gravidade/intensidade dos sintomas. (6)

As lesões do endométrio podem afetar diretamente a bexiga e a uretra, comprometendo a sua função. Também o intestino pode ser afetado, podendo ocorrer sangramento rectal associado com a menstruação. (16)

A ENDOMETRIOSE É COMUM?

É uma patologia que abrange cerca de 176 milhões de mulheres em todo o mundo, sendo mais evidente na idade reprodutora entre os 15 e os 49 anos. (1)

A incidência da endometriose está a aumentar nos países mais desenvolvidos, sendo a sua etiologia desconhecida. Contudo, a sua associação à não paridade é evidente.

COMO PERCEBO SE TENHO ENDOMETRIOSE QUAIS OS SINAIS E SINTOMAS?

O diagnóstico da Endometriose é facilitado pela existência de sintomas como:

Menstruação dolorosa
Ovulação dolorosa
Dor antes e/ou durante a penetração
Sangramento abundante
Dor pélvica crónica
Fadiga
Infertilidade ou dificuldade em engravidar

A laparoscopia é o método mais utilizado para o diagnóstico desta condição (19-8).

VIVER COM ENDOMETRIOSE

Há várias formas de tratamento de sintomas da Endometriose. Vou falar-vos das que têm sido sugeridas pelos estudos efetuados na área.

1. Educação em relação à dor
2. Fisioterapia pélvica
3. Acompanhamento psicológico
4. Acompanhamento nutricional
5. Tratamento farmacológico
6. Tratamento cirúrgico

Tendo em conta as opções de tratamento possíveis, o que os estudos nos vão dizendo é que ainda é necessária mais investigação nesta área para perceber de facto a eficácia das diferentes técnicas.

Sendo uma doença influenciada pela produção de estrogénio, os modeladores de recetores de progesterona são uma proposta de tratamento farmacológico. Parecem diminuir os sintomas, principalmente a dismenorreia, no entanto é necessária mais investigação sobre a eficácia dos fármacos, tendo em conta o aparecimento de fatores secundários provocados pelos mesmos, como a amenorreia (ausência de menstruação) e a possível menopausa precoce. (5)

Para diminuição de dor, a terapia com progesterona e supressores de ovulação pode ser um tratamento eficaz, no entanto é reconhecido como o tratamento que tem maior probabilidade de provocar complicações e efeitos adversos. (11)

O tratamento farmacológico é eficaz na diminuição dos sintomas mas na maioria dos casos não a longo prazo, estando também associado a efeitos secundários. (1) Terapias não convencionais (como a acupuntura, por exemplo) parecem ser eficazes na diminuição da dor, tendo menos efeitos adversos quando comparadas com a terapia farmacológica. (11)

No caso da cirurgia:
Histerectomia (cirurgia de remoção do útero), com ou sem remoção dos ovários
Remoção de tecido cicatricial por laparoscopia

A laparoscopia diminui os sintomas e parece aumentar a possibilidade de manter uma gravidez, no entanto estas conclusões não são comprovadas a longo prazo e é necessária mais investigação, tendo em conta também os diferentes tipos de sintomas reportados pelas mulheres que sofrem desta condição. (18)

A laparoscopia parece eficaz na diminuição de sintomas. A laparoscopia e a cirurgia de excisão parecem mais eficazes no aumento da probabilidade de engravidar do que os restantes métodos, sendo a segunda comprovada como eficaz entre os 9 a 12 meses após a cirurgia. (11)

A cirurgia continua a ser um tratamento controverso, tendo em conta a falta de evidência no tratamento de sintomas como a diminuição da dor. (14,15)

Estando a endometriose incluída nas condições que definem a dor pélvica crónica (DPC), as guidelines de tratamento apontam sempre para uma intervenção multidisciplinar.

COMO É QUE A FISIOTERAPIA ME PODE AJUDAR?

A Fisioterapeuta é parte integrante de uma equipa multidisciplinar no tratamento de condições crónicas como a Endometriose. Vamos perceber porquê.

Durante a avaliação da região pélvica em mulheres com Endometriose é possível perceber um aumento de tensão muscular vaginal, redução da mobilidade do útero, aumento de tensão da região recto-vaginal e em alguns casos a presença de massas na região do útero. (19,8)

Alguns estudos tendem a comprovar a ligação entre a dor e a tensão muscular. A Fisioterapia tem uma função importante no relaxamento muscular, tanto pela terapia manual como pelo uso de técnicas respiratórias e exercícios ativos.

A Fisioterapia ajuda no relaxamento muscular, diminuição de tensão muscular na região pélvica e pavimento pélvico, sendo eficaz nestes casos quando realizada em conjunto com terapia cognitivo-comportamental. (13)

A evidência diz-nos que o tratamento dos músculos do pavimento pélvico (MPP) deve ser parte integrante da intervenção do Fisioterapeuta nos casos de dor pélvica crónica, como a Endometriose. É frequente em condições de DPC existir excesso de tensão muscular nos músculos pélvicos, incluindo os MPP, nos abdominais, nos paravertebrais e em outros músculos próximos da região pélvica. (4,7)

Ainda não é totalmente evidente a relação causal entre a dor e a tensão muscular quando falamos do pavimento pélvico. No entanto, é frequente haver hipertonia destes músculos quando existe dor crónica na região pélvica. (9)
Para pacientes com DPC e disfunção dos MPP é muito benéfico aprender a relaxar os músculos quando existe dor. Ao terem essa capacidade conseguem quebrar o ciclo dor-tensão-dor.

O ciclo dor-tensão-dor acontece quando a mulher tem sensação de dor e por “defesa” a essa dor acaba por contrair de forma involuntária, aumento a tensão muscular nos músculos da região pélvica. Este ciclo acaba por originar mais dor tendo em conta a ligação da dor ao aumento de tensão muscular.

Quando há um encurtamento muscular associado, a terapia manual, que inclui técnicas de alongamento e massagem pode ser bastante útil (6). A terapia manual é efetiva no tratamento muscular e na diminuição da dor referida e/ou outros sintomas.

Segundo as Guidelines de tratamento internacionais, o tratamento dos MPP é considerado o primeiro tratamento a ser efetuado em casos de dor pélvica crónica. (6) A terapia manual, na região do pavimento pélvico, abdómen e coxa, em conjunto com a educação para a dor é também recomendada antes de qualquer tratamento cirúrgico. (2,3,10)

A Fisioterapia pode então ajudá-la através do relaxamento muscular, evitando o aumento de tensão e promovendo maior mobilidade dos tecidos. Estes objetivos são conseguidos através da terapia manual, da respiração e do exercício terapêutico. A Fisioterapeuta poderá também ajudá-la a encontrar os comportamentos e hábitos mais saudáveis para lidar com esta condição e assim melhorar a sua qualidade de vida.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Adamson GD, et al. (2010). Creating solutions in endometriosis: global collaboration through the World Endometriosis Research Foundation. J of Endometriosis; 2(1):3-6.
2. American Urological Association Online Guidelines- https://www.auanet.org/guidelines/interstitial-cystitis/bladder-pain-syndrome-(2011-amended-2014)#x2785.
3. Anderson RU, Wise D, Sawyer T et al. (2005). Integration of myofacial trigger point release and paradoxial relaxation training treatment of chronic pelvic pain in men. J Urol; 174: 155.
4. Baranowski, A.; Abrams, P.; Berger, R.; et al (2012). Classification of chronic pain: descriptions of chronic pain syndromes and definition of pain terms. International Association for the Study of Pain (IASP). [Online]. Available: www.iasp-pain.org/Content/NavigationMenu/Publications/FreeBooks/Classification_of_Chronic_Pain/default.htm
5. Duffy JMN, Arambage K, Correa FJS, Olive D, Farquhar C, Garry R, Barlow DH, Jacobson TZ. (2014). Laparoscopic surgery for endometriosis. Cochrane Database of Systematic Review, Issue 4. Art. No.: CD011031.DOI: 10.1002/14651858.CD011031.pub 2.
6. Engeler, A.P. Baranowski, J. Borovicka, P., et al. (2016). EAU Guidelines on Chronic Pelvic Pain.
7. Engeler, DS.; Baranowski, A.; Elneil, S.; et al. (2012). EAU Guidelines on chronic pelvic pain. [Online].
8. Fauconnier, A., et al. (2002). Relation between pain symptoms and the anatomic location of deep infiltrating endometriosis. Fertil Steril, 78: 719. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12372446. Available: www.uroweb.org/guidelines/online-guidelines/.
9. Fitzgerald, CM., Neville, CE., Mallinson, T., et al., (2011). Pelvic floor muscle examination in female chronic pelvic pain. J. Reprod. Med. 56, 117-122.
10. Fitzgerald, MP et al (2012). Randomized multicenter clinical trial of myofascial physical therapy in women with interstitial cystitis/painful bladder syndrome (IC/PBS) and pelvic floor tenderness. J Urol; 187: 2113.
11. Fu J, Song H, Zhou M, Zhu H, Wang Y, Chen H, Huang W. (2017). Progesterone receptor modulators for endometriosis. Cochrane Database of Systematic Reviews, Issue 7. Art. No.: CD009881. DOI: 10.1002/14651858.CD009881.pub2.
12. Giudice LC. (2010). Endometriosis. Clinical Practice. N Engl J Med;362(25):2389-98.
13. Haugstad, G.K., et al. (2006). Mensendieck somatocognitive therapy as treatment approach to chronic pelvic pain: results of a randomized controlled intervention study. Am J Obstet Gynecol., 194: 1303.
14. Jarrell, J., et al. (2007). Women’s Pain Experience Predicts Future Surgery for Pain Associated With Endometriosis. J Obstet Gynaecol Can, 29: 988. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18053384.
15. Jarrell, J., et al. (2005). Laparoscopy and reported pain among patients with endometriosis. J Obstet Gynaecol Can, 27: 477. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16100643.
16. Kaminski, P., et al. (2006). The usefulness of laparoscopy and hysteroscopy in the diagnostics and treatment of infertility. Neuro Endocrinol Lett, 2006. 27: 813. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17187014.
17. Kennedy S, et al. (2005). ESHRE guideline for the diagnosis and treatment of endometriosis. Human Reprod; 20(10):2698-2704.
18. Moen MH and Magnus P. (1993). The familial risk of endometriosis. Acta Obstet Gynecol Scand;72(7):560-4.
19. Vercellini, P., et al. (2009). Medical treatment for rectovaginal endometriosis: what is the evidence? Hum Reprod, 24: 2504. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19574277.

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