O que acontece num parto fisiológico, ou seja, com saúde, sem necessidade de intervenção externa, com um bebé ativo e uma mulher conectada com o seu corpo e com o seu filho?
Nesta situação ideal, as alterações psíquicas, comportamentais, emocionais, inconscientes, hormonais e neurovegetativas que ocorrem durante todo o período de trabalho de parto afetam a postura da mulher e a sua dinâmica pélvica, e podemos observar que a mulher vai sentir necessidade de se movimentar, mudando de posição com frequência até ao nascimento do bebé.
POSTURAS ADOTADAS POR MULHERES EM TRABALHO DE PARTO
Já em 2007, a obstetra alemã Bernardette Gasquet tornou-se internacionalmente conhecida pelo seu trabalho de investigação que se baseou na observação das posturas adotadas naturalmente por mulheres em trabalho de parto, a quem foi oferecida total liberdade de movimentos, e, posteriormente, na relação entre as posturas escolhidas pelas mulheres com a posição fetal observada pela Obstetra no início do trabalho de parto.
Os resultados obtidos confirmaram cientificamente o conhecimento e a prática de muitas mulheres, doulas e parteiras por todo o mundo: os posicionamentos que a mulher adota durante o trabalho de parto e o parto têm uma importância fulcral no desenrolar do trabalho de parto, mais especificamente na progressão fetal, no controlo da sensação dolorosa e consequentemente na satisfação que a mulher manifesta face à sua experiência de parto.
Neste mesmo trabalho, Bernardette Gasquet percebeu também que existem posicionamentos mais favoráveis do que outros nas diferentes fases do trabalho de parto e parto.
Por outro lado, o bebé tem ao mesmo tempo uma ação importante durante o seu nascimento, não é passivo! E cada movimento de descida do bebé ao longo do canal de parto está associado à ação dos músculos da pelve materna, músculos que favorecem tanto a mobilidade intrínseca dos ossos da bacia, como também a rotação, a flexão e a extensão da cabeça do feto.
PELVE LIVRE – QUE BENEFÍCIOS?
Foram já realizados inúmeros estudos científicos que permitiram comprovar que o movimento e as diferentes posturas maternas durante o trabalho de parto e o parto são potentes impulsionadores do bebé durante esta sua jornada, principalmente quando a mulher assume livremente posições que permitem a mobilidade da pelve:
Experiência de parto positiva
Contração uterina mais eficaz, fluxo sanguíneo para placenta mais abundante e melhor adaptação da apresentação ao estreito da bacia
Maior conforto e satisfação
Aumento da confiança
Facilitação do movimento descendente do feto; melhor adaptação da apresentação fetal ao estreito da bacia
Diminuição da duração do trabalho de parto
Diminuição da necessidade de intervenção médica
Promoção do auto-controlo e relaxamento
Numa revisão da COCHRANE, em 2013, que incluiu uma meta-análise de 25 estudos internacionais com 5.218 mulheres, concluiu-se que a liberdade de movimentos no primeiro estadio de trabalho de parto:
Reduz cerca de 80 a 180 minutos a duração do primeiro estadio de trabalho de parto;
Reduz taxa de cesarianas;
Reduz internamentos em Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais;
Acelera a descida fetal, o encaixe na pelve materna e a progressão no canal de parto.
PORQUÊ DESENCORAJAR A POSIÇÃO SUPINA?
A evidência científica não se limita apenas aos benefícios da mobilidade durante o trabalho de parto e parto, estando também devidamente documentadas as desvantagens associadas à típica posição supina (em que a mulher se deita de barriga para cima). Sabe-se que esta posição:
Torna as contrações uterinas mais dolorosas por 3 razões: o útero tem de ser elevado com movimentos anti-gravitacionais; o útero faz peso na região lombossagrada; o bebé é empurrado contra uma zona de osso da bacia que não está livre para se mover nesta posição (o sacro).
As dores associadas aumentam os níveis maternos das hormonas de stress e provocam a tensão dos músculos pélvicos e da vagina.
Diminui o aporte de sangue à placenta, promovendo alterações patológicas da frequência cardíaca do feto, reduzindo a oxigenação fetal e induzindo a procedimentos de aceleração do parto.
Pelo exposto, entidades como a EBM, NICE e OMS referem que a posição de supina deve ser desencorajada na prática comum e que as mulheres devem ser convidadas a assumir outras posições durante o parto. Esta indicação é válida para o parto fisiológico, mas também para um parto com analgesia epidural, principalmente se a técnica anestésica permite que a mulher mantenha a possibilidade de se mobilizar e até de caminhar.
WALKING EPIDURAL
A técnica de analgesia epidural mais utilizada no nosso país, ao comprometer seriamente a mobilidade e condicionar o posicionamento da mulher em trabalho de parto e parto, tem sido associada a um aumento de probabilidade de instrumentalização.
Em alternativa, a Walking Epidural oferece à mulher a oportunidade de alívio da dor com analgesia epidural, permitindo, contudo, que ela se continue a mover e possa caminhar.
No entanto, é importante que se perceba que não é a técnica em si que vai fazer a diferença: se após uma walking epidural o período expulsivo é realizado em posição de litotomia, os riscos referidos anteriormente estarão inevitavelmente presentes.
O PAPEL DA ENFERMEIRA PARTEIRA
Muitas mulheres não conhecem os benefícios e as contrapartidas das diferentes posições durante o parto e trabalho de parto. Assim, cabe à enfermeira parteira lançar esse convite: não se quer levantar um pouco agora que já não sente dor? Quer caminhar um pouco? Sentar-se na bola?
Algumas mulheres irão precisar de mais: será importante informá-las sobre os benefícios da posição sugerida, apoiando-as, empoderando-as e orientando-as sempre que necessário.
A mobilidade e a liberdade de posição podem ser determinantes ao ponto de a mulher se sentir mera observadora passiva do seu parto ou, no lado oposto, sentir-se a protagonista deste momento tão único e transformador.
LEITURA ADICIONAL
FAME; (2008). Iniciativa Parto Natural. Documento de consenso. Lusociência