As perdas vivenciadas durante a gestação e após o parto, como o aborto espontâneo, a morte fetal e neonatal, a interrupção médica ou voluntária da gravidez são experiências complexas, marcadamente singulares na sua vivência e ativadoras de processos de luto, muitas vezes encobertos e incompreendidos (Gabriel et al., 2021).
A intensidade do sofrimento não percorre um caminho ascendente linear consoante o tempo de gestação. Trata-se de uma dor profundamente idiossincrática, que espelha o abalar de um vínculo a um bebé nascido, muitas vezes, antes da própria gravidez, no imaginário dos seus pais. Para muitos casais e famílias constitui uma experiência devastadora de perda, repentina e inesperada, uma quebra abrupta de sonhos, projetos e expectativas (Markin, 2024).
O processo de luto pode evocar uma ampla gama de manifestações, como a negação, o choque, a revolta, a raiva, o desespero, a culpa, a desesperança, a tristeza, a confusão, a solidão ou uma sensação de vazio (Nazaré et al., 2010). Estas reações são naturais e caracterizam o processo de adaptação à perda. O tempo do relógio não é o tempo dentro de nós. Os pais precisam de tempo e espaço para sentir, para integrar a ausência, para acionarem recursos, para encontrarem o seu equilíbrio e se reorganizarem em torno da nova realidade. Os pais precisam de uma rede de suporte que respeite a sua vivência do luto, os seus ritmos e reações, que seja colo e refúgio.
Assistimos, ainda, a um frequente silenciar e minimizar do sofrimento da perda gestacional, o que adensa sentimentos de invalidação e incompreensão, contribui para o isolamento social e potencia o seu caráter traumático (McDonald et al., 2019), levando as pessoas a esconder o seu luto, inclusive de si mesmas. Sentimentos que teriam o seu curso natural, ficam inibidos e a adoecer por dentro, podendo transformar-se em sintomas de ansiedade e de depressão, em culpas, revoltas e vazios que cristalizam e se intensificam, deixando o processo de luto bloqueado e a ansiar por cuidado, validação e (re)significação. A própria relação conjugal pode ficar debilitada, fruto da deterioração da comunicação e das diferenças entre parceiros na vivência do luto que, não sendo compreendidas e geridas, promovem o distanciamento, o criticismo e a desconexão (Callister, 2006).
No contexto da psicoterapia, tanto individual como de casal, encontra-se um espaço seguro, sem julgamento, onde a perda gestacional não é um tabu, podendo ser acolhida, abordada com naturalidade e processada com a devida atenção e cuidado, permitindo que o luto evolua e se desenvolva de um modo saudável. Assim, o processo terapêuticofavorece a expressão emocional, a aceitação da realidade da perda, a atribuição de um significado ao que aconteceu, a adaptação ao novo contexto e o reinvestimento da energia emocional em relações, papeis e projetos, continuando a criar sentido para a vida(Worden, 2018).
Uma perda gestacional nunca é esquecida, mas pode ser apaziguada, recordada com serenidade e integrada numa vivência com significado.
Nas consultas de psicologia na UTERUS encontras um espaço seguro de escuta, terapia e acolhimento.
BIBLIOGRAFIA
Callister, L. C. (2006). Perinatal loss: A family perspective. The Journal of Perinatal & Neonatal Nursing, 20(3), 227–234. https://doi.org/10.1097/00005237-200607000-00009
Gabriel, S., Paulino, M., Baptista, T. M. (2021). Intervenção psicológica no luto parental. In Gabriel, S., Paulino, M., Baptista, T. M (Coords.), Luto: Manual de Intervenção Psicológica (pp. 183-218). Pactor.
Markin, R. D. (2024). Psychotherapy for pregnancy loss: Applying relationship science to clinical practice. Oxford University Press.
McDonald, S. A., Dasch-Yee, K. B., & Grigg, J. (2019). Relationship outcomes following involuntary pregnancy loss: The role of perceived incongruent grief. Illness, Crisis & Loss, 1-11. https://doi.org/10.1177/1054137319885254
Nazaré, B., Fonseca, A. D. D., Pedrosa, A. A., & Canavarro, M. C. (2010). Avaliação e Intervenção Psicológica na Perda Gestacional. Peritia – Revista Portuguesa de Psicologia, 3, 37-46. Worden, J. W. (2018). Grief Counseling and Grief Therapy: A Handbook for the Mental Health Practitioner. Springer Publishing Company.